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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A TENTATIVA


     Eram duas horas da madrugada e fazia um frio de arder a pele. Em viagens longas o que os passageiros desejam é chegar logo ao destino. Do Ceará ao Rio Grande do Sul, são mais de três mil quilômetros de percurso. Para os viajantes, não é fácil passar três dias e uma noite sentados em poltronas desconfortáveis. Sem exagero, o simples movimento de estirar as pernas acontece somente quando se vai ao banheiro ou se desce para ir aos restaurantes dos postos de gasolina.
     Acostumada com situações muito piores, a família de Pedro não reclama, prefere ficar admirando as paisagens que surgem ao longo da estrada. Enquanto Patrícia mostra à filha os desenhos que se formam nas nuvens, o marido conta historinhas para a menina dormir. Mimada, Rafaela, de apenas quatro anos, virou o centro das atenções desde que o filho mais velho do casal morreu vítima de bala perdida. Os dois iam apresentar a garota aos tios paternos que viviam em Porto Alegre.
     Naquela noite, o tempo se arrastava. Os passageiros tinham acabado de cochilar quando, de repente, todo mundo acordou com um barulho ensurdecedor. A freada foi tão brusca que as malas foram parar no piso. Uma das bagagens caiu em cima da perna de Rafaela que começou a chorar. “Não foi nada, só um susto”, disse o pai aflito. Na verdade, ninguém ainda sabia ao certo o que estava acontecendo.
     Mesmo desconfiadas, as pessoas se mantiveram quietas. Só Rafaela continuava a chorar. Parecia pressentir que algo estava por vir. Do último assento, uma mulher gritou: “É um assalto!” Todos entraram em pânico. Uma velhinha, fraca dos nervos, chegou a desmaiar quando viu três homens armados invadirem o veículo. Primeiro, eles usaram o motorista como escudo humano; depois começaram a roubar relógios, celulares e dinheiro; por último, o mais exaltado e cruel apontou o revólver para o rosto da menina e disse: “Ou ela pára de chorar ou eu a mato”.
     Quando o patriarca viu a única herdeira correndo risco de vida, não pensou duas vezes, pulou no pescoço do ladrão e começou a surrá-lo. Ai a confusão se instalou. Unidos, os passageiros criaram coragem e entraram na luta. Foi uma correria, gritaria sem tamanho. Até tiro foi disparado. Vários objetos foram jogados contra os marginais que, para azar da polícia, conseguiram fugir.
     Passado o susto, as vítimas foram prestar queixa na delegacia mais próxima. Pedro, muito nervoso, relatou as características físicas ao delegado: “O bandido era esticado, tinha bigode, cabelos grisalhos, nariz largo e orelhas pequenas. Era um ser esquisito, o único que não se preocupava em esconder o rosto.” Por coincidência, o tal tinha acabado de se preso em flagrante junto com seu bando numa outra tentativa de roubo. Depois da notícia, todos voltaram para a estrada. 

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