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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A CASA TINHA UM QUÊ DE ALEGRIA




Era localizada em Solonópole, a 300 quilômetros de Fortaleza. Para chegar até lá, era preciso pegar uma estrada esburacada, barrenta e sem sinalização que começava na BR-226 e terminava na CE-371.  O caminho se tornava perigoso pela quantidade de animais soltos nas rodovias: vacas, bodes, carneiros e principalmente cavalos e jumentos. Os “marinheiros de primeira viagem” pareciam estar indo para o inferno de tão melancólicos. Em uma coisa eles tinham razão: o lugar era mesmo muito quente, úmido e afastado do progresso.
O município possuía dezessete mil habitantes. Nada mal para um lugar considerado fantasma até pelos próprios moradores que, de tão ranzinzas, pouco saíam das residências. Não havia um rio para se refrescar nem barzinho para se divertir. Sequer uma loja para fazer compras! Era a treva! À noite, algumas famílias mais irrequietas colocavam suas cadeiras nas calçadas para falar mal da vida alheia. A maioria, donas de casa desesperadas por algo a mais. As muriçocas famintas e grandes como as formigas tanajuras eram suas únicas companhias.
Nada disso tinha importância porque ali, uma vez por ano, eu era feliz. A casa em que eu costumava passar minhas férias ficava na rua da Igreja Matriz. Volumosa, altiva, soberba, elegante, clássica, espaçosa, aconchegante, linda – ufa! - ainda é pouco para defini-la. Ela parecia um paraíso no meio do deserto. Tia Ziuna, uma senhora sessentona de “rédeas curtas”, fazia-se de líder para controlar os empregados e manter o aspecto saudável do casarão centenário. Se não fosse pelo seu temperamento forte e decisivo, talvez, não tivesse tido a oportunidade de conhecer esse local tão maravilhoso. O tempo tê-la-ia o transformado em ruínas.
As paredes coloridas de azul lembravam a casa da pintora mexicana Frida Kalo. A cozinha espaçosa ainda possuía um forno a lenha do tempo da escravidão. Os quartos permaneciam perfumados durante todo o mês de julho. O ritual era eficaz: colocava-se detergente caseiro (feito à base de hortelã) debaixo das camas. Impossível apagar da memória emotiva tal lembrança. Os móveis criados para durar continuavam brilhantes. Havia no quintal, uma piscina de água azul celeste. A comida não ficava para trás, era um manjar dos deuses. No meio de tanto conforto, ainda existia amor. 

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