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segunda-feira, 9 de junho de 2008

ANÁLISE DA MATÉRIA DE TV “CRÔNICA URBANA: A IRRITAÇÃO DENTRO DOS ENGARRAFAMENTOS”

A matéria Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos, de Neide Duarte, retrata de forma poética e bem humorada o caos que é o trânsito de São Paulo. A reportagem – se é que podemos defini-la assim – mostra o cotidiano de motoristas e motoqueiros da maior cidade brasileira. O vídeo foi exibido no Jornal HOJE, da Rede GLOBO, um dia após o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo ter registrado um dos maiores congestionamentos (164 quilômetros de comprimento) já ocorridos na capital paulista. A proposta desse trabalho é analisar a matéria Crônica Urbana (...) sob diversas perspectivas, entre elas, estética audiovisual (planos, ângulos, movimentos de câmera), texto, edição, recursos de linguagem, som e sonoras.

Palavras-chave: televisão, estética audiovisual, crônica.

1. INTRODUÇÃO

O trânsito paulistano é um dos mais caóticos do mundo. Nos horários de pico são quase quatro milhões de motoristas nas ruas. Uma projeção feita com os números do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo mostra que a frota de veículos licenciados na capital chega a seis milhões de carros, motos, ônibus e caminhões. Os dados impressionam e por si só viram manchetes dos telejornais. Na matéria Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos, a repórter Neide Duarte teve o desafio de transformar essas informações em algo que vai além da notícia.
A repórter fugiu do padrão passagem-off-sonora e optou em construir um texto coloquial cheio de ritmo, poesia e musicalidade. As imagens complementaram a leitura do off e a fotografia coloriu o que a própria repórter chamou de “monstro com mais de 100 quilômetros de comprimento” - referência à hora do rush. Os motoristas foram instigados a repensar o significado do trânsito da maior cidade brasileira: Como agem? Quais as brigas mais comuns? Quem são os culpados? Quais as saídas? Uma música instrumental com batidas fortes acompanhou quase todo o vídeo dando o tom dramático à reportagem que contou também com sons de buzinas, freios e gente falando.
Quem conhece as redações dos telejornais sabe o quanto é difícil sair da rotina e acreditar em novas possibilidades. Para muitos profissionais, é mais fácil repetir antigas formas de texto, imagem, etc., do que quebrar paradigmas. “Dá mais trabalho”, dizem alguns. A novidade amedronta não só os que estão na frente das câmeras, mas também os empresários que temem perder audiência para o concorrente. Nessa guerra, ficam no prejuízo os canais e os telespectadores. Estes, por negarem-lhes o acesso à liberdade de escolha; aqueles, por não ousarem. É sempre bom lembrar que a TV é uma concessão pública e deve estar aberta a projetos que beneficiam a maioria da população.
Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos foge à regra: foi exibida num canal aberto, num dos telejornais mais assistidos do País, numa das maiores e mais influentes emissoras do mundo – talvez, um sinal de um novo tempo. Pesquisas qualitativas reforçam que o público está mais receptivo a mudanças na programação. A audiência quer ser surpreendida, está cansada de ver sempre o mesmo conteúdo da TV. Um ditado-popular brinca com a supremacia da GLOBO ao dizer que tudo que a emissora do “plim-plim” faz as outras copiam. Quem sabe agora, o SBT, a Rede TV, entre outras, arrisquem mais para reconquistar o Ibope.
A geração do vídeo-game já não perde tempo diante da telinha, prefere a agilidade e interatividade do computador. E se for para assisti-la que seja com o controle remoto em mãos para “zappiar” os programas e comerciais. Essas pessoas estão famintas por novidades que as tirem da rotina e as levem a outras expectativas. Sensações que podem ser encontradas numa escolha acertada de luz, som, edição, texto, planos e ângulos.
Se o desafio de Neide Duarte foi traduzir a complexidade dos congestionamentos da maior capital do Brasil, o nosso foi esmiuçar boa parte dos recursos utilizados pela equipe “global” na confecção da matéria Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos. Alguns quesitos foram levados em consideração mais que outros como estética audiovisual (planos, ângulos, movimentos de câmera), texto, edição, iluminação, recursos de linguagem, qualidade da imagem, som e sonoras. Foram estudados, ainda, artigos científicos elaborados por pesquisadores que trabalham com as principais conclusões sobre as especificidades da linguagem audiovisual.

2. TEXTO



A própria cabeça da matéria já menciona tratar-se de uma crônica, “gênero literário produzido essencialmente para ser veiculado na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja em um telejornal”. (BARBOSA, 2007).
Texto lido pela apresentadora do Jornal HOJE Sandra Annenberg:

“Durante uma semana, a repórter Neide Duarte observou comportamentos de motoristas de São Paulo. Registrou cenas de irritação e também de solidariedade. (corta para outra câmera, plano mais próximo). Hoje cedo o congestionamento na capital paulista chegou a 164 quilômetros. Foi mais um capitulo dessa crônica urbana onde cada um enxerga um adversário no carro ao lado.”

Por introduzir o assunto aos telespectadores, neste trabalho, compreendemos que a matéria Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos começa antes do vídeo ser exibido na TV; inicia-se com o texto lido pela apresentadora Sandra Annenberg. Ela cita o nome da repórter Neide Duarte, o tempo que a jornalista levou para realizar o trabalho – o que não é comum - e dá informações sobre o trânsito de São Paulo, reforçando elementos jornalísticos como atualidade dos fatos.
Ao interpretar a cabeça da matéria, a apresentadora expressou preocupação em relação ao tema. Enfatizou palavras-chave como solidariedade, adversário e irritação, tudo para convencer o público que a questão é importante e merece atenção. A mudança de câmera e ângulo foi essencial para dar ritmo à leitura, já que naquele dia Sandra Annenberg comandou o telejornal sozinha, sem o colega Evaristo Costa.
Na seqüência, entra a matéria de Neide Duarte com imagens aéreas do trânsito de São Paulo. É noite e as luzes dos faróis dos carros reforçam o contraste da fotografia que favorece o preto e branco. A textura do vídeo tem tons dramáticos e casa bem com a proposta do texto que é fazer refletir os gestos e as atitudes, muitas vezes, repetitivas e impensadas de motoristas e motoqueiros. A música instrumental tem uma batida forte e lembra o desespero de quem não sabe aonde ir.


Neide Duarte é uma das poucas cronistas da televisão brasileira. Seu texto é inspirado nos acontecimentos do dia-a-dia. A técnica que utiliza é a mesma dos cronistas mais famosos de nossa literatura: após cercar-se dos fatos cotidianos, dá um toque próprio à escrita, incluindo características que, geralmente, as reportagens não utilizam muito como ficção, fantasia e criticismo.
Em Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos, a jornalista dialogou com o telespectador na primeira pessoa do plural, apresentando uma visão totalmente pessoal do assunto. Com um estilo simples, espontâneo, situado entre a linguagem oral e literária, Neide Duarte faz com que o público se identifique com o que está sendo visto e ouvido. A matéria é uma espécie de porta-voz daqueles que não têm o mesmo espaço para se expressar.
O texto não ficou preso a estruturas rígidas compostas, respectivamente, por “apresentação dos fatos, evolução das ações, momento de tensão e da dedução dos fatos”. (CURADO, 2006). Neide Duarte apresentou o tema de forma ‘inovadora’ e ‘diferenciada’, utilizando várias possibilidades da linguagem audiovisual. Foi personagem ao lado de outros motoristas e motociclistas. Talvez, por isso, tenha optado em não fazer uma passagem, o que não fez diferença no resultado final da obra.
Texto de Neide Duarte:
Sobe Áudio
Música instrumental. Noite. Plano Geral – Plongée - Imagens aéreas do trânsito de São Paulo.

OFF 1
Um monstro com mais de 100 quilômetros de comprimento. Ele se move lentamente. Nos ameaça de dia e de noite. Vai nos engolindo aos poucos e emite sons ameaçadores.

Comentário: Nesse trecho, Neide Duarte quebrou algumas regras do português. Para facilitar a comunicação com o público, a jornalista abriu mão de colocar os pronomes oblíquos, do início da frase, depois do verbo. Ela utilizou elementos da dramaturgia para contar a história que tanto aflige motoristas e passageiros.

Sobe Áudio
Sons de buzinas, freios, vozes. Plano Geral de ruas e avenidas. Imagem desfocada de um ônibus em movimento.

OFF 2
Nem parece que somos parte desse monstro. Que fomos nós que o criamos. E que estamos vivos ali dentro dele. Atrás do reflexo de alguma arquitetura da cidade.

A repórter pergunta a quatro motoristas:
Quando você olha pra o outro carro você consegue ver o motorista ou você vê o outro carro só?

Os entrevistados estão dentro dos carros, dão entrevista em Primeiro Plano e não olham para a câmera. Os mesmos entram mais de uma vez em cena. As respostas das sonoras são:

1° entrevistado. “Só o outro carro”.
2° entrevistado. “Só vejo carros”.
3° entrevistado. “Somente carros”.
4° entrevistado. “Só vejo os carros realmente”
3° entrevistado. “É estranho”.
4° entrevistado. “É desumano, completamente”.

Comentário: Todos os offs e frases são pequenos. As palavras são repletas de emoção e não têm comprometimento com a imparcialidade do jornalismo. As sonoras lembram o “povo-fala”, mas com duração bem menor, o que dá ritmo e velocidade ao texto. Alguns depoimentos são repetidos para reforçar a idéia do que está se querendo dizer.

OFF 3
Estamos sempre loucos pra sair fora do corpo do monstro e ser os primeiros a escapar pela esquerda.

(Imagens de Neide Duarte dirigindo em São Paulo. A câmera está posicionada atrás da repórter, focalizando suas costas e as ruas da cidade. Há uma contra luz para valorizar a estrada. Travelling da câmera de dentro do carro, acompanhando o movimento de outros veículos. Panorâmica para flagrar um carro tentando escapar do congestionamento. Muda a posição da câmera - sai do subjetivo e passa a gravar somente as avenidas. A edição utiliza recursos para acelerar algumas cenas.)

Comentário: Mais uma vez a repórter utilizou figuras de sintaxe para descrever o que acontece no trânsito de São Paulo. Quem escuta a matéria sem assisti-la na telinha chega a pensar que se trata realmente de um monstro. A repórter-cronista empregou o Pleonasmo na frase “sair fora do corpo do monstro”, na tentativa de reproduzir a fala popular.
Sobe Áudio
O som ambiente é semelhante em quase toda a matéria.

OFF 4
Mas na maioria das vezes ainda que a gente consiga ser mais esperto que os outros. Mais cedo ou mais tarde acabamos todos no mesmo congestionamento. E temos que ficar ali parados carregando nossas magoas uns dos outros.

(Close de mãos, rostos, etc.)

Comentário: O texto é construído em cima da opinião dos entrevistados. Desta vez, Neide Duarte usou nove sonoras seguidas de motoristas e motoqueiros, contradizendo as regras do telejornalismo que aconselham colocar na matéria, no máximo, duas sonoras após a leitura do off.

1° entrevistado. Mulher em Primeiro Plano dentro do carro. “Tem um monte de coisa que me irrita no trânsito motoqueiro buzinando”.
2° entrevistado. Motoqueiro em close. “Tem hora que você explode, buzina. De alguma forma tenta demonstrar também que você tá querendo usar a via, né.”
3° entrevistado. Motorista em Primeiro Plano dentro do carro. “A agressividade com que eles andam, metem o pé na porta. Quebram o retrovisor. Só nesse carro eu troquei 4 retrovisores.”
4° entrevistado. Outro motoqueiro em Primeiro Plano. “O pessoal fecha quer tomar espaço do motoqueiro, principalmente, mulher.”
5° entrevistado. Mulher em Primeiro Plano. Neide Duarte pergunta: “Algum motoqueiro já te deu passagem alguma vez?”. A personagem responde: “Difícil. Difícil. A gente tem que dar uma forçada.”
6° entrevistado. Mulher dirigindo, Contra-Plongée. “Os homens no trânsito são mais gentis que as mulheres. Tirando táxi, ônibus e caminhão. Esses não respeitam ninguém.”
7° entrevistado. Motorista em Primeiro Plano. “Não agüento mais, fia.”
8° entrevistado. Motorista de ônibus. “Tô ficando estressado. Ta demais. Ta demais.”
9° entrevistado. Taxista. “Morre por ano 150 profissionais da praça, 100 morrem de parada cardíaca. Então você tem que relaxar e encarar por esse lado.”

OFF 5
(sobe caracteres: imagens de Rafael Trindade e Willy Nurara)

(flagrantes de motoristas lendo jornal, se maquiando, tirando cochilo, falando ao celular, etc.)

Buscamos saídas. No trânsito, temos tempo pra tudo. O que faríamos no sofá da sala, na mesa da cozinha. Fazemos no carro. O que seria próprio no espelho do quarto, fazemos no espelho do carro. Mantemos a pose o quanto é humano agüentar. Mas o cansaço vai matando a nossa elegância. Já os que se especializaram em trabalhar em congestionamentos vão sofisticando o serviço.

(Imagens de um garoto vendendo jornal. Cenas de um outro vendendo bala. Este chega até o carro e oferece o produto.)

Comentário: É interessante ver a naturalidade com que o vendedor ambulante oferece o bombom a equipe. A jornalista soube aproveitar bem esses e outros momentos de sobe áudio.

Sobe Áudio
Vendedor ambulante: “Bom dia patrão. É só uma cortesia.”

Sobe Áudio
(Imagens de Neide Duarte dirigindo e se surpreendendo com a pouca quantidade de carros. Ela também vira personagem da própria matéria.)

Neide Duarte: “Ta ótimo aqui. Não tô acreditando”

Comentário: É um dos melhores momentos da matéria. O público não está acostumado de ver o repórter agindo com naturalidade diante das câmeras. Além de dirigir, Neide Duarte ainda opina sobre o movimento de carros nas ruas.

OFF 6

É assim quando o congestionamento tem só uns 90 quilômetros, ficamos felizes. A cada dia a limitação é maior, mas vamos aceitando. Resignados com as novas condições. Pensamos que ainda cabemos, achamos que os outros é que não estão cabendo.

(Novamente imagens do congestionamento. Expressões de um motorista, gestos de insatisfação.)

Sonoras de outros personagens:
1° entrevistado. Motoqueiro. “Muito carro na rua.”
2° entrevistado. Motorista. “É a quantidade excessiva de veículos que estão acabando com o trânsito de São Paulo.”
3° entrevistado. Taxista. “Muito carro. Acesso de pessoa vai e vem. A gente não tem um controle bom, né.”

Comentário: Expressões de angustia e desespero sempre dão ótimas imagens. É o que acontece quando o cinegrafista está atento o que acontece à sua volta.

OFF 7
(Voltam às imagens aéreas do congestionamento.)

Crescemos demais. Escapamos ao nosso controle. Criamos um monstro e agora não sabemos como lidar com ele. Nem com os nossos sentimentos.

(Sobe caracteres: edição de imagens Solano Marreiros)

Neide Duarte pergunta aos motoristas:
Como é que você se sente no trânsito?

1° entrevistado. Motorista, enquadrado em Close. “Como se fosse, como é que vou dizer, uma pessoa que não existisse.”
2° entrevistado. Mulher, enquadrada em Primeiro Plano. “Sufocada. Como se eu estivesse perdida, não tem pra onde correr.”

Comentário: Nessa primeira sonora, o motorista titubeia um pouco antes de dizer o que sente. Talvez em uma outra matéria, o editor de imagem teria retirado a tal hesitação. O resultado ficou interessante.

OFF 8
(Câmera parada. Carros em movimento)

E no meio do caos onde tanta gente sem rosto parece com o inimigo. É bom ficar atento sempre podemos surpreender e dar de cara com um amigo bem ali ao nosso lado.

Sobe Áudio
(O som ameaçador é trocado por uma música que dá idéia de humor, comédia. Imagens de pessoas dando informações, ajudando umas as outras.)

Comentário: A reportagem termina com uma visão otimista sobre o trânsito paulista – uma esperança para quem tem que conviver com os engarrafamentos. A jornalista encara com bom humor um problema que já é crônico das grandes metrópoles brasileiras.

2.1 SONORA

Boa parte da história foi contada pelos personagens que puderam refletir situações de conflito, muitas vezes, deixadas de lado por causa da correria do dia-a-dia. Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos trabalhou com atores sociais anônimos e populares. “São populares, mas não são famosos, são conhecidos em suas comunidades, não no espaço midiático”. (EMERIM, 2006).
Emerim (2006, p. 158) entende que:
“O primeiro grupo é formado por pessoas comuns que a equipe encontra pelas ruas durante a realização das externas; o segundo é composto por pessoas reconhecidas num universo restrito, qual seja uma cidade, um bairro ou uma comunidade.”

O regime de crença que os entrevistados propõem é o da verdade, por isso são convocados a dar testemunhos dos acontecimentos, conferindo credibilidade a matéria. Ainda sobre a importância das fontes, (GOMES, 2006) diz que o cidadão comum só aparece nos programas jornalísticos quando é afetado pelas notícias; quando ele próprio se transforma em notícia; ou quando ele autêntica a cobertura noticiosa.
A jornalista Neide Duarte soube valorizar as sonoras dos entrevistados. Os depoimentos dos personagens complementam e reforçam a idéia do texto. São curtos e diretos, porém sinceros. O ritmo é o da televisão, não há tempo para entrevistas mais aprofundadas. As falas são ajustadas na edição, uma ao lado da outra, dando clareza à informação. Mesmo com os cortes bruscos, a equipe manteve os ruídos (suspiros, gaguejos e dúvidas) dos atores sociais, humanizando ainda mais a fala deles.

2.2 ESTÉTICA AUDIOVISUAL
Hoje em dia, a realidade é construída por um discurso fragmentado, parcial, de diferentes fontes e referências. Isso não só na linguagem videográfica, mas também nas telas dos computadores, na literatura, no cinema, nas artes plásticas e, até mesmo, no teatro. Em Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos, as imagens foram captadas satisfazendo a velocidade do veículo televisão. Com raras excessões, foram obedecidas as regras da linguagem audiovisual (do maior plano para o menor). As imagens estáticas foram substituídas pelas de movimento. Tudo para dispertar e manter a curiosidade do público.
A câmera subjetiva foi um outro recurso utilizado para aproximar o telespectador da matéria. A curiosidade da audiência é mantida em cenas como as da repórter dirigindo o carro e dando testemunho vivo do que está acontecendo ao redor. Se a intenção da jornalista foi fazer com que o público se sentisse um pouco voyeur, conseguiu. O câmera capiturou imagens de passageiros dormindo, motoristas lendo, se maquiando, falando ao celular, etc.
Machado (1997) lembra que:
“O sujeito espia a intimidade do outro pelo viés da tela, enquanto seu corpo inerte se projeta imaginariamente na intriga e passa a vivenciar o filme como se fosse o seu sujeito da visão que aquele lhe oferece”.

Os cinegrafistas Rafael Trindade e Willy Nurara conseguiram dar uma releitura a imagens gastas pela própria mídia. Souberam capturar a essência de cada detalhe sem fugir do foco do trabalho. Surpreenderam ao mostrar o reflexo dos prédios nos vidros dos automóveis e em não expor o óbvio.

2.3 EDIÇÃO
“A construção do real depende do que fica enquadrado, do movimento das câmeras, do trabalho de edição e da sonoplastia.” (DUARTE, 2006). Para muitos profissionais de TV, é na ilha de edição que tudo se determina. O repórter já deve pensar nisso quando decide a forma que pretende conduzir a matéria. A equipe deve trabalhar em conjunto para que quando o material gravado chegue à ilha não haja aborrecimentos.
Com as tecnologias de ponta, atualmente, é muito fácil falsear a realidade. O editor deve ter ética para não cair na tentação de beneficiar ou prejudicar algum entrevistado. Pode e deve utilizar os recursos, com bom senso, para enriquecer ainda mais a qualidade do trabalho.
Na Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos, o editor de imagens Solano Marreiros soube empregar os conceitos de edição sem transformar a matéria num vídeo exibicionista cheio de efeitos especiais. Brincou com a diversidade do meio levando em conta a notícia que deve estar sempre em primeiro lugar.
Hoje, mais do que nunca, a edição de TV apresenta pluralidade de formas – influência do cinema, das artes, dos vídeos-clipes, dos hipertextos. Dominar a técnica é fundamental para se manter no mercado. Porém, a chave do sucesso de uma obra ainda está na maneira de se contar uma história.

3. CONCLUSÃO

A televisão vive um período de transição tecnológica. A TV digital deve começar a funcionar ainda este ano na maioria dos estados brasileiros. Mas, ainda hoje, pouca gente sabe quais as reais mudanças que a nova tecnologia trará. Precisão da imagem e do som, interatividade, democratização da informação são algumas das promessas mencionadas pelo Ministério das Comunicações. Com tantas qualidades, fica difícil até questionar o projeto do Governo Federal.
Apesar das vantagens, o povo brasileiro deve ficar atento, desde já, ao conteúdo da futura programação. No entanto, não precisa esperar chegar a TV digital para exigir das emissoras mais empenho na criação dos programas. Os problemas continuarão os mesmos, caso os telespectadores não comessem logo a repensar o que querem ver na telinha.
O poder de decisão está nas mãos de quem tem o controle remoto. Tanto os donos das emissoras quanto os anunciantes sabem disso. Mesmo assim, parte da programação continua um lixo. O que falta é a população começar a mudar de canal, exercer o direito de escolha. Matérias como as da jornalista Neide Duarte poderiam ganhar mais espaço nos canais de televisão porque apresentam qualidade técnica e de conteúdo.
Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos é um exemplo de matéria jornalística que foge do padrão estabelecido pela maioria das emissoras que se recusa a produzir novos formatos. Consegue em 4 minutos 20 segundos, redimensionar a complexidade do trânsito de São Paulo, de forma poética e bem humorada. Tem elementos que lembram documentários, filmes de ficção, vídeos-clipes e teledramaturgia.
O texto de Neide Duarte tem como base a crônica, gênero literário conhecido dos grandes escritores como Fernando Sabino, Raquel de Queiroz e Rubens Braga. A jornalista não fica atrás, ousa ao traduzir os flagrantes do cotidiano em palavras e imagens. A maneira simples que escreve ganha ares sofisticados e possibilita eternizar o assunto.
Espera-se que com a chegada da TV digital as emissoras estejam mais receptivas a outras possibilidades de conteúdo. E que profissionais como Neide Duarte ganhem mais visibilidade das mídias.
Este trabalho teve o objetivo de analisar a matéria Crônica Urbana: a Irritação Dentro dos Engarrafamentos. A pesquisa descobriu que existem formatos e narrativas pouco exploradas no telejornalismo; que há diversas maneiras de se contar uma história, a crônica é mais uma possibilidade; que o público, apesar das limitações, está mais exigente e aberto a novos conteúdos de programação; que as imagens não precisam necessariamente repetir o que o texto está dizendo, mas sim complementar o sentido da ação; que a realização de uma reportagem só é possível em parceria com outros profissionais (cinegrafistas, editores, produtores, etc.). Porém, não foi possível um maior aprofundamento em questões como audiência presumida, sociedade do espetáculo, narrativa audiovisual, entre outras.

4. REFERENCIAL TEÓRICO





BARBOSA, Déborah Márcia de Sá. Língua Vernácula versus Língua Portuguesa.
Apostila do curso de português do PROLIN (Projeto de inclusão de línguas da
Universidade Estadual do Ceará). Fortaleza – Ceará. 2007.

CHION, Michel. La toile trouée: La parole mau cinema. Paris: L’Étoile, 1988.
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CURADO, Olga. A Notícia na TV: O dia-a-dia de quem faz jornalismo. São Paulo:
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DUARTE Elizabeth Bastos. Reflexões sobre os Gêneros e Formatos televisivos. In
Elizabeth Bastos Duarte & Maria Lília Dias de Castro (Orgs.) Televisão: entre o
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EMERIM, Cárlida. Informação Televisiva: Entrevista. In Elizabeth Bastos Duarte &
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GOMES, Itania Maria Mota. Das utilidades do conceito de modo de endereçamento
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Audiovisual e Linguagem: Comparação entre as produções em Super-8 e
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